confluência
Subverte-se o mapa como instrumento de representação do literal para o figurado, fundindo elementos que juntos simbolizam não mais seus espaços singulares, mas as relações formadas pelos cruzamentos e encaixes de seus entornos. Os limites não são, aqui, definitivos e absolutos, assim como suas interdependências na realidade. O espaço que o Museu ocupa não é apenas cultural, mas político e social e, em vista disso, as escalas foram modificadas propositalmente em um exercício de sugestão poética – as esferas citadas constituem peças integrantes do mosaico cartesiano proposto e atuam, em conjunto, de forma unitária por meio da nova representação planográfica construída: a cultura (Museu Nacional do Rio de Janeiro), sociedade (Brasil) e política/economia (Distrito Federal) se tornam um só. Esse sistema é reconstruído em uma tentativa de potencializar esse espaço sistemático que, por causa do descaso, se encontra em latente fragmentação, além de evidenciar a inevitável interdependência entre os campos escolhidos. Para fortalecer, visualmente, é feita a coloração em partes específicas a fim de salientar as intersecções entre os espaços, que evidenciam as perdas da tragédia: não foram perdas que penalizaram uma, mas todas as áreas da sociedade. Em vista disso, o título Confluência faz alusão à essas relações destacadas visualmente na composição da obra que demonstra como as esferas da sociedade se influenciam mutualmente e foram responsáveis, cada qual por suas ações e deveres, por um momento sem dúvidas bárbaro, bruto e cruel para a história do patrimônio nacional.
série (im)permanência


Satisfações inúteis podem inesperadamente se tornar a fonte de uma inimaginável utilidade.
– nuccio ordine

Acredito que nós, enquanto artistas, somos naturalmente sensíveis às questões do mundo, tanto da esfera pessoal quanto social. Essa série nasceu de duas experiências pessoais que se transformaram, a partir de leituras, em reflexões sociais. existe uma pessoa muito próxima na minha vida que costuma, frente a qualquer dilema ou janela, dizer: “mas isso é útil?” “tá, mas qual a utilidade disso?” “sim, e isso serve para quê?” e essas sentenças sempre me colocam para pensar: o que é ser útil? Além disso, quando eu estava no ensino médio, em uma aula de botânica, o meu professor de biologia começou a explicar sobre como antes de cada fruto, existe uma flor. Sobre como as plantas angiospermas desenvolvem o pedúnculo, receptáculo, cálice, a corola... e depois de formada, dá origem a um fruto. ele mostrou, em seguida, um vídeo dessa transformação e eu fiquei simplesmente encantada. Me fascinou de uma forma absoluta o fato de que, por trás de cada fruto, existe uma flor. Como acontece, de fato, essa conversão, essa metamorfose, a beleza de algo que além de belo, é primitivo e essencial. Afinal, o fruto é um alimento que carrega consigo a importante responsabilidade de fornecer nutrientes e suprir uma necessidade básica tanto dos animais quanto dos seres humanos. Dos seres vivos, em geral. pensando nisso, comecei a refletir sobre a importância do processo das coisas, sobre como é importante, além do produto final, todas as etapas necessárias para obtermos o fruto. Vinculei essa premissa então ao momento que estamos, na contemporaneidade, onde todos buscam o objetivo, o resultado final, o produto no fim da esteira de produção, sem se importarem sequer com todas (ou alguma) (d)as etapas que antecedem o objeto na vitrine em exposição. Sobre como, principalmente por vivermos nessa sociedade tecnológica que não tem tempo para nada além de viver em função de produzir e ser “útil”, é preciso reconquistar a sensibilidade no olhar. Então, depois de tudo isso, decidi retratar o crescimento das flores que geram os frutos em conjunto com ornamentos, em uma tentativa de relacionar conceitos como a utilidade do inútil e a valorização dos processos. por isso, os ornamentos são colocados em uma posição conceitual satírica por serem considerados, enquanto adornos, símbolos de algo decorativo e “sem função” (assim como a arte) em uma consonância lúcida com o desenvolvimento da semente que se torna flor e por fim fruto, que representam e destacam o processo que é igualmente desconsiderado, ignorado e desvalorizado. Por tais motivos simbólicos, escolhi a pintura como linguagem artística para essa série por ser justamente uma técnica tradicional e extremamente plástica – remetendo-nos novamente à questão do belo, do infrutífero. Dessa forma, obrigo o espectador a voltar sua atenção ao processo, agora situado de maneira permanente entre os ornamentos que destacam e questionam as ideias de inutilidade, belo e funcional. afinal, o que é mesmo ser útil?

- júlia hallal

Essa série busca explorar os processos, enquanto movimentos contínuos, fixados em uma construção que exalta a importância da preservação, atenção e memória. que destaca o processo antes do fruto, que paralisa aquilo que não vemos para podermos, por fim, enxergar. Que destaca o simples, o implícito e o sensível como forma de reconhecer a necessidade de pararmos, em meio à produtividade e ritmo acelerados do processo histórico contemporâneo para observar os processos que, muitas vezes, são desconhecidos e ignorados. 
É o destaque do que permanece esquecido, apagado, despercebido. habitualmente, desprezamos os componentes do processo e só nos interessamos pelo produto, pelo resultado final. Sem a flor não teríamos o fruto. Sem a essência, não teríamos o sabor. Sem o olfato, não teríamos o paladar. Deixamos escapar o processo das coisas, da natureza, porque não nos importamos mais com o que vem por trás de tudo aquilo que consumimos. Buscamos o imediato, o útil, o necessário. Mas o que é realmente necessário? O que é realmente útil? Conhecimento, prazer, curiosidade não são o que nos movimentam? Nos fazem evoluir como almas pensantes e sensíveis? Não são úteis para nossa mente e coração? A utilidade existe até no mais inútil dos processos. Saber que o brócolis que comemos é na verdade uma flor, que o feijão que cozinhamos nasce em vagens e que a azeitona cresce em árvores são úteis no momento que acrescentam à nossa mente algo que antes não sabíamos; que nos trazem a essência do que é originário, natural, emocionante e primordial. É útil por ser, por nos lembrar que não somos apenas peças em uma máquina social de trabalho e tempo útil. Somos seres humanos que pensam, sentem e precisam, mais do que nunca, serem lembrados de sua natureza. Da necessidade de fazer poesia com o que é visto, sentido e experienciado. É sobre a importância da poética da vida que precisamos nos lembrar, essa, que somos cotidianamente obrigados a esquecer.
Assim, (im)permanência nos volta a atenção para as coisas simples, para a necessidade de reeducarmos o nosso olhar. nos mostra que, se resgatarmos um pouco da nossa vulnerabilidade poética, somos capazes de transformar o pequeno e irrelevante em algo extraordinário. Por meio da natureza, imprevisível e efêmera, temos as flores originárias que simbolizam a essência, o processo, o simples e o natural. Já as estruturas greco-romanas, inspiradas principalmente nas pilastras de ordem coríntio, nos remetem à construção – o que somos hoje é fruto do que fomos ontem – e à estatização em sua materialidade de algo que, enquanto simultâneo e efêmero, nos passa despercebido. Além disso, a ornamentação de sua estrutura nos é colocada de forma irônica, como uma maneira de fortalecer a poética do “inútil” dessa série. Busca-se, dessa maneira, ressaltar, a partir da combinação entre as flores e a presença das construções, a necessidade em desenvolver a nossa sensibilidade e enxergar nas coisas a beleza dos processos em meio ao um mundo da velocidade, sincronia, ubiquidade, transitoriedade e desmaterialização. É, por fim, o contraste entre a natureza, imprevisível e efêmera, e as estruturas greco-romanas, fixas e sólidas, que elucidam essa contraposição e simultaneidade entre o corrente presente dentro do permanente.

Como disse Nuccio Ordine:
A essência autêntica da vida coincide com o bom (com aquilo que as democracias comerciais sempre consideraram inútil) e não com o útil.
e
No universo do utilitarismo, um martelo vale mais que uma sinfonia, uma faca mais do que um poema, uma chave de fenda mais que um quadro: porque é fácil compreender a eficácia de um utensílio, enquanto é sempre mais difícil compreender para que podem servir a música, a literatura ou a arte.

Miguel Benasayag & Gérard Schmit:
A utilidade do inútil é a utilidade da vida, da criação, do amor e do desejo
porque
(...) o inútil produz aquilo que é mais útil, que se cria sem atalhos, sem ganhar tempo, muito além da miragem criada pela sociedade.

e Gautier:
Nada do que é belo é indispensável à vida. Se as flores fossem eliminadas, o mundo não seria materialmente afetado; mas quem gostaria que não houvesse mais flores? Com todo prazer, eu renunciaria antes às batatas que às rosas, e acredito que somente um utilitarista poderia ser capaz de destruir um canteiro de tulipas para plantar repolhos.

Essa série, é, portanto, uma renúncia. renunciar é abdicar e aqui busca-se negar o utilitarismo ao colocar a relação entre a ornamentação, que de acordo com shakespeare, é o motivo pelo qual o mundo sempre se permitiu ser enganado, e as flores que antecedem os frutos, que representam o ócio, o prazer e o inútil, que por serem gravadas nos ornamentos se tornam fixos em um tempo, naturalmente, perene (o meu, o seu, o nosso). Através da pintura à óleo, técnica tradicional e valorizada culturalmente, contrasta-se os valores considerados “eruditos” com a proposta do tema: a simplicidade; que nada mais é do que o autêntico e o sensível. É, dessa maneira, uma série com o fim em si mesma, assim como os propósitos e questões que busca levantar. Afinal, de quê adianta passar uma vida inteira fabricando peixes de ouro em troca de moedas que serão fundidas para produzir novos peixes e não parar, nem por um instante, para ver a força da correnteza? De quê adianta ter todos os repolhos e batatas e se abster da possibilidade das tulipas e rosas? De quê adianta plantar a vida inteira e ter uma cesta vazia 



no fim?

série tragédias anunciadas
Tragédias Anunciadas (2022) é um projeto expositivo que possui como principal objetivo a reflexão e discussão sobre questões que dizem respeito à conservação tanto dos objetos quanto das instituições culturais e as consequências, perdas e ruínas do descaso e desvalorização cultural (governamental e social). Busca-se, dessa maneira, como justificativa poética-visual, destacar a importância da cultura e da arte para a sociedade e para a História, explorando os conceitos de memória e tempo.
O fogo, uma das maiores descobertas da história humana, foi capaz de transformar em cinzas duzentos anos de história em seis horas. O Museu Nacional do Rio de Janeiro abrigou, desde 1818, mais de 20 milhões de itens que em sua totalidade (e unicidade) compunham o patrimônio histórico nacional, sendo a primeira instituição científica do Brasil, fundada durante o período imperial, a ser responsável por coleções, pesquisas e um acervo de imensa importância para a História. No dia 2 de setembro de 2018, as chamas atingiram suas paredes e, fatalmente, destruíram aproximadamente 18,5 milhões de objetos (cerca de 92,5% do acervo). Assim, dentre múmias, fósseis, coleções de achados arqueológicos e paleontológicos, peças egípcias e pré-colombianas, a memória e cultura material da humanidade pertencem a uma lacuna de um passado agora perdido e irrecuperável.
Por meio da interpretação, associação e representação de espaços físicos/cartográficos, notícias e objetos do acervo pertencentes ao museu nacional, procura-se refletir, através da produção artística contemporânea no campo da gravura e da escultura, sobre a importância da valorização cultural e ressaltar, mediante aos elementos e configurações visuais, a resistência natural humana frente a forças destrutivas. 
O projeto é fruto da pesquisa, interesse e experiência pessoal da artista na área da Museologia e apresenta, em cada uma de suas obras, processos reflexivos e investigativos amparados pela pesquisa histórica e jornalística que se relacionam, naturalmente, entre si. São, por fim, interpretações impressas por meio de uma visão pessoal voltadas à questionamentos coletivos e sociais que objetivam interrogar e atestar o passado para compreender o presente e ser possível imaginar um futuro passível de transformações. Discutindo os conceitos de patrimônio, preservação e memória, valoriza-se a importância dos indivíduos e dissemina-se a ideia de que a história é o resultado de ações individuais e que, como disse Bruno Delmas, “nenhuma ação se compõe de um único passo, e sim de uma sucessão deles: além disso, nenhum passo é isolado e independente daqueles que o procedem ou daqueles que o sucedem” (CAMARGO, Ana Maria; GOULART, Silvana. p. 101) e, portanto, é necessário que como sociedade articulemos os nossos passos a fim de andarmos, sempre, à frente.

                                                            “Sabotar a cultura e a educação significa sabotar o futuro da humanidade” (ORDINE, Nuccio. p. 147).
artigo

Concepções museológicas e a democratização do consumo cultural na pós-modernidade 

RESUMO
O presente artigo conduziu o estudo das concepções museológicas através de um recorte histórico-social, interligando-o à democratização do consumo cultural museológico e enfatizando o ambiente virtual presente na pós-modernidade. Para tanto, a metodologia empregada foi substancialmente exploratória com ênfase na pesquisa bibliográfica, atribuindo a esse estudo um caráter essencialmente qualitativo. Verificou-se, historicamente, a construção do papel atribuído ao museu e a relação entre este, a obra de arte e o seu público. Logo após, foram pontuadas novas concepções resultantes do inevitável estado transformativo da arte no papel assimilado e incorporado pelo museu. Além disso, realizou-se uma análise investigativa dos museus virtuais, das novas ferramentas utilizadas no cenário museológico e dos dados fornecidos pela pesquisa efetuada pelo ICOM Brasil em 2020. Dessa forma, abriram-se questionamentos e proposições acerca da democratização cultural no museu, este enquanto inserido em um cenário tecnológico e detentor de responsabilidades sociais e públicas. Ainda, foram discutidos os principais pressupostos teóricos que têm contribuído para o avanço da questão da acessibilidade no campo museológico, problematizaram-se as fragilidades, insuficiências e limitações encontradas a fim de intensificar as discussões em torno de ideias que devem embasar as práticas museológicas por meio de dados quantitativos e, por fim, assinalaram-se as possibilidades alcançadas através da introdução da tecnologia de forma a contribuir para o adensamento teórico do tema.
Palavras-chave: Museu. Expografia. Acessibilidade. Público. Virtual. Tecnologia. 

Museological conceptions and the democratization of cultural consumption in post-modernity 

ABSTRACT
The present article conducted the study of museological conceptions through a historical-social approach, linking it to the democratization of museological cultural consumption and emphasizing the virtual environment present in post-modernity. Therefore, the methodology used was substantially exploratory with emphasis on bibliographic research, giving this study an essentially qualitative character. Historically, the construction of the role attributed to the museum and the relationship between it, the work of art and its public were verified. Soon after, new conceptions were punctuated resulting from the inevitable transformative state of art in the role assimilated and incorporated by the museum. In addition, an investigative analysis of virtual museums was realized, the new tools used in the museological scenario and the data provided by the research carried out by ICOM Brazil in 2020. while inserted in a technological scenario and holder of social and public responsibilities. Also, the main theoretical assumptions that have contributed to the advancement of the issue of accessibility in the museological field were discussed, the weaknesses, insufficiencies and limitations found were problematized in order to intensify discussions around ideas that should support museological practices through of quantitative data and, finally, the possibilities achieved through the introduction of technology were pointed out in order to contribute to the theoretical densification of the theme.
Keywords: Museum. Expography. Accessibility. Public. Virtual. Technology.

Texto completo: https://drive.google.com/file/d/1pbycW-Sm60L9fiyQTmNavpD0POPMzdnF/view?usp=sharing
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